Como o sr. Demóstenes Torres recordasse em público o fato óbvio de que o tráfico negreiro começou dentro da África antes de estender-se às Américas, a Folha de S. Paulo vingou-se da verdade histórica, que ela detesta, acusando o senador de culpar “os negros” pela escravatura. Oh, que delícia poder sujar a reputação do senador democrata com uma insinuação de racismo, logo após ter usado os crimes vulgares do seu correligionário Arruda como papel higiênico para limpar os resíduos do Mensalão, do caso Bancoop, da aliança PT-Farc etc. etc.!
É claro que o senador não culpou os escravos, muito menos a raça negra como um todo, pelos crimes dos escravagistas africanos. Mas, mesmo que ele o tivesse feito, que mal haveria nisso senão o de raciocinar com base na mesma premissa macabra que seus acusadores usam todos os dias com o ar mais inocente do mundo? Se a raça branca deve pagar pelos atos praticados por escravagistas brancos entre os séculos XVI e XIX, por que não pode a raça negra levar a culpa de crimes idênticos que os escravagistas negros cometeram desde muito antes disso e aliás continuam cometendo até hoje? Se uma raça é juridicamente imputável, por que não o serão todas elas? Por que somente os negros terão o direito de pensar com base numa premissa racista, e todas as demais raças devem abster-se de fazê-lo? Se o racismo já é abominável em si, mais odioso ainda ele se torna quando sua prática se consagra como direito monopolístico de uma raça em particular.
E não me venham com a história de que essa deformação da lógica moral é justificável no caso específico dos negros, tendo em vista seus sofrimentos espetaculares, supostamente maiores que os impostos a outras raças. Praticamente todas as raças européias foram escravizadas pelos romanos desde a fundação do Império em 27 a.C. — em condições muito mais desumanas do que tudo o que veio depois —, e em seguida pelos muçulmanos a partir do século VIII da nossa era. “Muçulmanos” não quer dizer “árabes”. Já o primeiro convertido ao Islam não foi um árabe, mas um negro, escravo de Maomé. Ao expandir-se na África, o Islam levou consigo os princípios de organização político-militar que permitiram ali o surgimento de grandes impérios escravagistas, para os quais a venda de cativos aos europeus, a partir do século XVI, não foi senão um upgrade tardio de negócios já bem estabelecidos em escala continental. Mas não pensem que fosse um caso exclusivo de “negros escravizando negros”.
Não só nas tropas maometanas que invadiram a Europa, mas também nas hordas de piratas que percorriam as costas da Inglaterra, da França, da Espanha e de Portugal para fazer cativos, era grande o número de negros, seja como caçadores ou feitores de escravos, seja como capitães e proprietários. Escravos brancos começaram a ser levados para servir nos países muçulmanos desde setecentos anos antes da chegada do primeiro escravagista europeu à África, no século XVI. Pior: isso começou numa época em que a escravidão já não existia na Europa. Muçulmanos árabes e negros trouxeram de volta às nações européias o horror que a influência da Igreja havia extinguido quatro séculos antes. Com o detalhe agravante de que, a meio caminho, pelo menos dez por cento desses escravos europeus sofriam castração para poder servir nos haréns, coisa que jamais sucedeu aos negros trazidos da África para a América pelos malvados brancos, só aos que foram para os países islâmicos sob o chicote de feitores árabes e negros.
Por aí já se vê o quanto é falsa a afirmação do sr. Luiz Felipe de Alencastro, de que, no tráfico negreiro, "toda a logística e o mercado eram uma operação dos ocidentais". Os Ocidentais entraram tardiamente num mercado já organizado e próspero, do qual até então só haviam participado na condição de mercadoria. Alencastro é um completo ignorante no assunto em que pontifica. Mas quem esperaria coisa melhor de alguém que já se notabilizou como charlatão acadêmico ao proclamar, contra todas as evidências de fonte primária, que o Foro de São Paulo não existia, que era pura invencionice da “direita”? Não consta que ele tenha jamais se desculpado por isso, nem mesmo depois que a direção nacional do PT e a própria Presidência da República saíram alardeando as atividades do Foro. Falta a esse sujeito o mínimo de decoro intelectual para opinar sobre o que quer que seja.
No mesmo sentido dele pronuncia-se o colunista Elio Gaspari: “O tráfico negreiro foi um empreendimento das potências européias.” Mentira ou ignorância completa. Captura, tráfico e exportação de escravos já alimentavam nações africanas inteiras quando o europeu chegou lá. Gaspari não estudou nada, rigorosamente nada da bibliografia existente sobre o assunto (v. abaixo), mas tenta arrotar superioridade proclamando que Demóstenes Torres, no seu pronunciamento ante o STF, “demonstrou um pedaço do seu nível intelectual”. Que raio de coisa é “pedaço de nível”? Gaspari escreve como um ginasiano relapso. Se parte da elite o aplaude, é por força do princípio asinum asinus fricat.
Alencastro, Gaspari e tutti quanti baseiam seus simulacros de argumentos tão-somente em chavões inculcados na mente popular pela repetição obsessiva, bem subsidiada por fundações bilionárias. Da minha parte, prefiro a pesquisa histórica atualizada. Leiam Giles Milton, White Gold: The Extraordinary Story of Thomas Pellow and Islam’s One Million White Slaves (New York, Farrar, Straus and Giroux, 2004), Tidiane N’Diaye, Le Genocide Voilé (Paris, Gallimard, 2008), Robert C. Davis, Christian Slaves, Muslim Masters: White Slavery in the Mediterranean, the Barbary Coast, and Italy, 1500-1800 (New York, Palgrave Macmillan, 2003); Murray Gordon, Slavery in the Arab World (New York, New Amsterdam, 1989); Jacques Heers, Les Négriers de l’Islam: La première Traite des Noirs, VIIe-XVe Siècles (Paris, Perrin, 2003); Bernard Lugan, Afrique: L’Histoire à l’Endroit (Paris, Perrin, 1989, reed. 1996).
Leiam e depois me digam se essa inculpação unilateral da raça branca por um crime que foi de todos contra todos não é uma das maiores empulhações dos últimos tempos, digna de competir com o “aquecimento global” do sr. Al Gore.
Por aí já se vê o quanto é falsa a afirmação do sr. Luiz Felipe de Alencastro, de que, no tráfico negreiro, "toda a logística e o mercado eram uma operação dos ocidentais". Os Ocidentais entraram tardiamente num mercado já organizado e próspero, do qual até então só haviam participado na condição de mercadoria. Alencastro é um completo ignorante no assunto em que pontifica. Mas quem esperaria coisa melhor de alguém que já se notabilizou como charlatão acadêmico ao proclamar, contra todas as evidências de fonte primária, que o Foro de São Paulo não existia, que era pura invencionice da “direita”? Não consta que ele tenha jamais se desculpado por isso, nem mesmo depois que a direção nacional do PT e a própria Presidência da República saíram alardeando as atividades do Foro. Falta a esse sujeito o mínimo de decoro intelectual para opinar sobre o que quer que seja.
No mesmo sentido dele pronuncia-se o colunista Elio Gaspari: “O tráfico negreiro foi um empreendimento das potências européias.” Mentira ou ignorância completa. Captura, tráfico e exportação de escravos já alimentavam nações africanas inteiras quando o europeu chegou lá. Gaspari não estudou nada, rigorosamente nada da bibliografia existente sobre o assunto (v. abaixo), mas tenta arrotar superioridade proclamando que Demóstenes Torres, no seu pronunciamento ante o STF, “demonstrou um pedaço do seu nível intelectual”. Que raio de coisa é “pedaço de nível”? Gaspari escreve como um ginasiano relapso. Se parte da elite o aplaude, é por força do princípio asinum asinus fricat.
Alencastro, Gaspari e tutti quanti baseiam seus simulacros de argumentos tão-somente em chavões inculcados na mente popular pela repetição obsessiva, bem subsidiada por fundações bilionárias. Da minha parte, prefiro a pesquisa histórica atualizada. Leiam Giles Milton, White Gold: The Extraordinary Story of Thomas Pellow and Islam’s One Million White Slaves (New York, Farrar, Straus and Giroux, 2004), Tidiane N’Diaye, Le Genocide Voilé (Paris, Gallimard, 2008), Robert C. Davis, Christian Slaves, Muslim Masters: White Slavery in the Mediterranean, the Barbary Coast, and Italy, 1500-1800 (New York, Palgrave Macmillan, 2003); Murray Gordon, Slavery in the Arab World (New York, New Amsterdam, 1989); Jacques Heers, Les Négriers de l’Islam: La première Traite des Noirs, VIIe-XVe Siècles (Paris, Perrin, 2003); Bernard Lugan, Afrique: L’Histoire à l’Endroit (Paris, Perrin, 1989, reed. 1996).
Leiam e depois me digam se essa inculpação unilateral da raça branca por um crime que foi de todos contra todos não é uma das maiores empulhações dos últimos tempos, digna de competir com o “aquecimento global” do sr. Al Gore.
Nenhum comentário:
Postar um comentário