Por Judiclay Silva
Santos
Um amigo meu, à época seminarista
no Rio de Janeiro, passou por uma experiência que, embora engraçada, revela uma
triste realidade no cenário evangélico brasileiro. Com o propósito de evitar
constrangimentos desnecessários, os nomes das pessoas envolvidas e da igreja em
questão serão ocultados, mas, posso lhes garantir, tendo a Deus como
testemunha, que os fatos são reais e verdadeiros.
João (nome fictício que
atribuirei ao meu amigo) era conhecido por ser um excelente pregador. Era
também um bom estudante, cursando o terceiro ano da graduação em teologia em um
dos mais antigos e renomados seminários do Brasil. Recebia muitos convites para
pregar e, à medida do possível, atendia de bom grado. Convidado para pregar uma
série de conferências em uma igreja, seguiu para o destino acompanhado de sua
esposa em um carro particular. A igreja estava lotada para celebração do seu 25o
aniversário. Durante cinco dias (de quarta-feira a domingo) João esforçou-se
para pregar com excelência, buscando a edificação da igreja. Nas semanas
anteriores ele havia se preparado com muita dedicação. Orou intensamente a fim
de que Deus usasse a sua vida como um instrumento. No domingo à noite, último
dia da festa, igreja lotada, como dizem os irmãos pentecostais, ninguém sabia
“se o céu desceu ou se a igreja subiu”, mas todos reconheceram que foi uma
noite especial. Depois da mensagem, o povo cantou de pé: Tu és fiel Senhor! -
belíssimo hino da tradição cristã. O pastor e o seminarista à porta recebiam os
cumprimentos dos membros da igreja, que não escondiam a satisfação dos seus
corações. No dia seguinte, prontos para regressar ao Rio de Janeiro, o
seminarista estava inquieto. Até aquele momento não havia recebido nenhum
recurso para custear as despesas de sua viagem (considerando ida e volta, foram mais de 700 km de distância). E a
oferta de gratidão? Até aquele momento, nada! Chegou a hora de ir embora. O
seminarista e a esposa entram no carro, após se despedirem do pastor e sua
família. Enquanto o carro andava os primeiros metros, o seminarista olhava o
pastor acenar pelo retrovisor... Ufa!, suspirou o entristecido pregador que imaginou
ser aquele um sinal de reparação ou correção de um lapso compreensível. Ledo
engano. O pastor se aproximou e disse:
- Quase esqueci. Estava no meu
bolso. Levem para vocês comerem na viagem.
Estendendo a mão, ofereceu-lhes
duas bananadas. Sim, caro leitor. Duas bananadas dessas que são vendidas nos
semáforos da vida por alguns centavos. Incrédulo e estupefato, o pregador
seguiu viagem sem saber se ria (pois a cena foi hilária) ou se chorava (pela
sensação de ter sido golpeado), embora tenha pensado em fazer outra coisa.
Essa história nos encoraja a
pensar sobre o complexo mundo de fazer e aceitar convites para pregar. Trata-se
de uma excelente oportunidade para pensar sobre os deveres de ambos, do
pregador convidado e da igreja que convida.
I. RESPONSABILIDADES DO PREGADOR CONVIDADO.
1) Fazer tudo o que for possível para honrar o
convite.
Somente Deus não
está sujeito às contingências do tempo e às circunstâncias da vida. Imprevistos
acontecem. O pregador pode, na semana do compromisso, ou mesmo no dia, enfrentar
uma situação que seja impossível honrar o convite. Mas nada justifica a
irresponsabilidade de assumir um compromisso e não honrá-lo. Caro pregador, se
você firmou um compromisso, só está dispensado do mesmo se for por um motivo
muito sério para o qual não haja outra solução a não ser desmarcar. Portanto,
pense duas vezes antes de assumir um compromisso. Um homem sem palavra é um
homem suspeito. Honrar um convite é uma nobre atitude.
2) Preparar-se com excelência para edificar a
igreja.
Quando uma igreja
convida um pregador, sua expectativa é de que ela seja edificada. A pregação é
o principal meio de graça. Uma boa mensagem tem o poder de abençoar vidas. Para
tanto, entre outras coisas, o pregador precisa se preparar para o desafio. Isso
demanda tempo de estudo e oração. No entanto, é triste constatar que alguns
pregadores aceitam um convite para o qual não se preparam. Já testemunhei cenas
vergonhosas. Existe coisa mais constrangedora que ouvir um homem
perceptivelmente despreparado? Senhores, pregação é um assunto sério e exige
total dedicação.
II.
RESPONSABILIDADES DA IGREJA QUE CONVIDA.
1) Oferecer
todas as condições necessárias para que o pregador desenvolva a missão que
recebeu.
a) Uma boa viagem. Quando a distância é
curta, é possível ir de carro, ônibus ou outro meio de transporte que assegure
chegar no horário. Muitas vezes, dependendo da distância, a passagem aérea é
fundamental. Na atual conjuntura, em que as passagens aéreas estão com preços
acessíveis, sendo as viagens bem mais seguras e rápidas, espera-se que a igreja providencie as
passagens. Soube de uma igreja que ficou irritada com um pregador pelo simples
fato deste não se dispor a viajar de Porto Alegre à Goiânia de ônibus. Não
havendo condição, melhor seria convidar alguém da própria cidade ou de uma
região mais próxima. Tendo a oportunidade de assegurar uma boa viagem, segura e
eficiente, deve-se evitar deslocamentos de grandes distâncias com seus riscos e
desgastes desnecessários.
b) Uma boa hospedagem. Se o pregador
vem de longe, ainda que seja para pregar apenas um dia, ele precisa de uma
adequada hospedagem. Onde ficar? O ideal é que fique em um lugar que ofereça
privacidade, segurança e descanso. A casa do pastor da igreja que convida ou
mesmo a casa de um membro, não é o mais adequado. Um amigo meu, veterano pastor
com mais de 65 anos, passou pela experiência (ainda jovem, pois hoje em dia não
entra mais nessas furadas) de ir com sua família para pregar na igreja de um
colega que lhe ofereceu a própria residência como lugar de hospedagem. Na hora
do almoço, o pastor anfitrião disse ao colega: “Depois da oração podem atacar,
pois os meus filhos são terríveis. Às vezes não sobra nem para mim.” Como se
não bastasse, o pastor deitou-se sem camisa na sala da sua casa, com aquela
barriga protuberante, roncando com toda força enquanto o pastor convidado com
sua mulher e filhos sentados no sofá pensavam: “O que nós estamos fazendo
aqui?! Ridículo!” Pois bem, o ideal é providenciar um hotel decente. Não
precisa ser um 5 estrelas nem tampouco um muquifo de beira de estrada. Basta
que seja um lugar que ofereça privacidade e segurança. Pode ser em uma
residência, desde que essas necessidades sejam supridas.
2) Dar uma oferta como expressão de
gratidão ao pregador.
Toda genuína oferta é de caráter
voluntário. Oferta não é dívida, mas presente. Oferta é livre e não
compulsória. Se isto é verdade, como pode ser um dever da igreja dar uma
oferta? Não seria uma contradição? Bem, trata-se de um princípio bíblico
abençoar aqueles por meio dos quais Deus nos abençoa. Embora não seja um dever
legal, é um dever moral. Trata-se de uma questão de consciência. É justo
oferecer ao pregador convidado uma oferta de gratidão por seu trabalho. Fazer
isso é reconhecer o esforço, o tempo investido nos estudos, entre outras
coisas. Não se cobra pela pregação do evangelho. Não estamos falando de
cachê. No entanto, livros, cursos,
preparo, custam tempo e dinheiro. Honrar o pregador é reconhecer o valor do
ministério da pregação. Não advogo que em toda e qualquer circunstância seja
necessário ou possível oferecer uma oferta em dinheiro. Às vezes, um simples
livro oferecido como singela expressão de gratidão é o suficiente para
encorajar o pregador, que se sentirá honrado. O princípio básico é a gratidão.
Não importa se a igreja é grande ou pequena, mas se é generosa e conscienciosa.
Em uma cultura marcada pelo egoísmo, é necessário que aprendamos a ser gratos.
Um querido professor do seminário
me contou uma experiência ocorrida com ele na década de 70.
Após um fim de
semana pregando em uma igreja no Paraná, pegou o seu carro com destino ao Rio
de Janeiro. O colega que o convidou não custeou as despesas, nem lhe ofereceu
uma oferta de gratidão. Mas o presenteou com um cacho de bananas. Ao recebê-lo,
o professor perguntou a sua mulher: “Querida, nosso carro é movido à banana?”
Senhores, chega de bananas e
bananadas. Por favor, tenham bom senso antes de convidar alguém para pregar.
“Portanto, dai a cada um o que
deveis: ... a quem honra, honra.” - Rm 13.7